Bairro de Nápoles mantém um santuário para o “deus” Maradona
As ruas estreitas do Quartieri Spagnoli mantêm viva a paixão por Maradona, ídolo do Napoli
Por Daniel Herculano
Nos Quartieri Spagnoli, bairro antigo e tradicional de Nápoles, a maioria das ruas são tão estreitas que não comportam carros. Portanto é comum ver motos, lambretas e motonetas zunindo entre os pedestres. O bairro do século 16 é acessível de vários pontos da Via Toledo. Basta subir de lá para andar pelas ruas lotadas de mercadinhos, lojas de souvenires, artesãos e restaurantes. Nós almoçamos por lá, inclusive.
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Nas janelas, é comum ver faixas de torcidas organizadas e muitas bandeiras do Napoli tremulando, mesmo em dias sem futebol na cidade.
Entre ruas que parecem vielas, subimos e descemos ladeiras até chegar ao local onde fica um mural em homenagem a Diego Armando Maradona. Até lá há uma placa informando o sentido que se deve seguir para o “Murales Maradona”, além de outras pequenas homenagens que se acumulam nos muros.
Entre prédios antigos (como todo o bairro) – visivelmente castigados pelo tempo, mas que ficam algo entre o acabado e o charmoso – está o mural. Localizado na lateral de um prédio de quatro andares, está a imensa pintura de corpo inteiro do argentino.
Em 1990, quando foi criado pelo artista e residente do bairro Mario Filardi (falecido em 2016), a face de Maradona era mais cartunesca, em um desenho que celebrava o segundo título do Campeonato Italiano no Napoli.
Em 2016, a arte foi refeita (com a autorização do dono da janela onde fica exatamente o rosto do astro), graças à iniciativa do artista e carpinteiro Salvatore Iodice e da contribuição dos cidadãos do bairro e torcedores (pesquisei que Iodice conseguiu levantar 1.000 euros em cinco meses). E agora Dieguito tem uma feição mais realista.
No mural da Via Emanuele De Deo, a figura emblemática com a camisa número 10 celeste do Napoli dribla em direção ao gol, sempre de cabeça erguida e cabelo esvoaçante. Empunha a braçadeira de capitão do time que aprendeu a amar e ser amado por sua torcida. O time que, com seu futebol mágico, elevou de patamar, ganhou títulos na Itália, e chegou a ser um dos melhores da Europa.
Além da nova pintura, há um átrio, onde a torcida costuma se juntar para ver os jogos. Nessa espécie de pátio, há também fotos, pequenos azulejos, outras homenagens e até uma bandeira com o rosto de um dos últimos ídolos napolitanos (o eslovaco Hamšík, recordista com 520 jogos pelo clube).
Construída de forma colaborativa pela torcida, é também mantida por quem visita, com um cofre aberto à contribuições – você paga o quanto quiser, e eu deixei 4 euros – e que lhe dá direito a assinar um pequeno azulejo para marcar a sua visita.
Relembrando…
A passagem de Maradona pelo time do Napoli na década de 80 imortalizou o argentino como o maior jogador da história do clube e o elevou à condição de Santidade na cidade.
Embora tradicional na Itália, a equipe napolitana antes de Maradona era tida como de pequena para média, brigando sempre do meio para baixo na tabela. Seus troféus resumiam-se a títulos nas divisões inferiores, e a duas conquistas na Copa da Itália.
Diego chegou para sua primeira temporada (1984/85) como um ídolo, com direito a chegada de helicóptero e um estádio San Paolo lotado, e ao final ficou no oitavo posto na tabela. Na segunda (1985/86), conseguiu um terceiro lugar.
Maradona começa a terceira temporada (1986/87) como campeão do mundo pela Argentina, e ao final daquele campeonato, dá ao Napoli seu primeiro título na Série A. Para completar, leva também a Copa da Itália. Comandados pelo camisa 10 argentino, o time napolitano sempre brigou pela taça e ficou entre os melhores do Italiano nos anos seguintes.
O ápice chega com o primeiro título continental da equipe, com o Napoli vencendo a Copa da Uefa na temporada 1988/89. No ano seguinte (1989/90) o argentino novamente conduz o Napoli ao scudetto na Itália.
O sonho acaba em março de 1991: seu exame antidoping após partida contra o Bari dá positivo para cocaína, expondo seu vício ao mundo.
Curioso que ele declarou em sua autobiografia (“Yo Soy Diego”) que aceitou a proposta do Napoli somente porque estava arruinado financeiramente. Ganhou a torcida um tesouro que segue reluzente três décadas depois.
> Daniel Herculano é jornalista de Fortaleza.
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